Tecnomacumba
O ano de 2003 representa um marco na vida de Rita Benneditto. Na ocasião, a
cantora maranhense, cujo timbre é um dos mais expressivos da nossa música,
estreava um show no qual jogava luz sobre aspectos da nossa ancestralidade – e
que muito dizem da nossa identidade enquanto Cultura e Nação. O show era o
Tecnomacumba e o nome não poderia ser mais apropriado. No repertório, pontos e
rezas ligados às religiões de matrizes africanas mesclados a temas da MPB, de
autores como Gilberto Gil e Jorge Ben, em que entidades-símbolos da nossa fé são
louvados/evocados. Tudo isso apresentado com arranjos modernos, em roupagem
eletrônica, que saía então dos clubes e ganhava de vez as pistas mundo afora. Por
uma coisa (ou muitas delas) a artista não esperava: 1) que o projeto renderia frutos
(são três os registros, um de estúdio e dois ao vivo, sendo um deles o DVD); 2) que
iria longe (foi visto até em Dakar, no Senegal) e, 3) os prêmios em reconhecimento
(o show ganhou o Prêmio Rival Petrobras e a cantora, o da Música Brasileira). Mais
ainda: Rita não esperava que o show tivesse vida própria (se consolidando como
manifesto de resistência cultural) e seguisse em paralelo à sua própria carreira. E
essa vida própria completou 15 anos.
Com o show, Rita provou que o elo que une nossa música à eletrônica tem como
alicerce o bater do tambor. Dos tambores, melhor dizendo, cujos ecos reverberam
para além dos terreiros, passando pelas patuscadas e rodas de samba (de roda) que
animam os Fundos de Quintal (em maiúsculas e com trocadilho) de aqui, no
Recôncavo ou nos rincões do Brasil. Acontece que um show é também um organismo vivo. E pulsa. Ao longo desses 15 anos, não se manteve estático, fiel a
um roteiro previamente elaborado e, portanto, imutável. Não em se tratando de Rita
Benneditto. O show amadureceu – assim como sua intérprete – e possibilitou a ela
experimentar, ousar e, por que não?, reinventar-se
E as transformações são em muitos aspectos. O mais nítido deles talvez seja o
repertório, que foi dando lugar a temas e canções como “De mina” (Josias
Sobrinho), “Mamãe Oxum (Domínio Público) e, a mais recente delas, “7Marias”,
composição da própria Rita em parceria com Felipe Pinaud. A canção tem agora
clipe próprio, no ar desde setembro de 2018 com mais de 340 mil visualizações.
Esse é, aliás, um dos motivos que Rita festeja. O outro atende a um antigo pleito dos
fãs: o de disponibilizar nas plataformas digitais os álbuns “Tecnomacumba” e
“Tecnomacumba a tempo e ao vivo”.
Mas, falávamos das transformações pelas quais o projeto passou no decorrer
desses 15 anos… Outra delas é em relação à sonoridade. A banda Cavaleiros de
Aruanda, que acompanha a artista desde a estreia do projeto, conta agora com os
músicos Fred Ferreira (guitarras e vocais), Junior Crispim (percussão e vocais),
Pedro Dantas (baixo e vocais) e Ronaldo Silva (bateria, programações e vocais).
A longevidade desse bem-sucedido projeto pode ser explicada a partir da junção de
alguns fatores cruciais. O primeiro deles talvez seja a perseverança. Da artista, dos
músicos e da equipe por ele responsável. Perseverança que ganhou da crítica a
acolhida necessária para seguir adiante. E que encontrou no contato com o público
a acolhida para ir além. Muitos são os espectadores que já perderam a conta das
vezes que assistiram ao show. E entre os fãs do projeto estão grandes colegas da
cena e de ofício. Gente como Maria Bethânia (que participou do CD ao vivo e do
DVD), Alcione, Beth Carvalho, Ney Matogrosso, Leci Brandão, Sandra de Sá,
Margareth Menezes e companheiros de geração como Daúde, Mart’ nália, Marcos Suzano, Davi Moraes e, claro, Zeca Baleiro, coprodutor (ao lado de Mario Manga) do
CD de estreia da artista, lançado em 1997.
Entre os colegas ilustres que reconhecem o talento da artista está o cantor e
compositor Caetano Veloso. No texto escrito para o DVD do show, o baiano não só
destaca as qualidades vocais da intérprete como confirma sua fama de visionário
ao prenunciar: “Este disco tem um futuro intrigante e pode vir a dizer mais do que
parece agora”. Caetano tinha (e tem) razão. O projeto não só disse como diz ainda.
Muito sobre um país que não pode ser perdido, apagado. Ainda mais (e sobretudo)
no Brasil de agora.